Entrevista com Detonautas Rock Clube

julho 30, 2015

 "Eu acho que a maior crise que a gente está vivendo hoje em dia é a crise moral [...]"



A banda Detonautas Rock Clube esteve ontem (29/07) em Santarém-Pa, para apresentar seu novo projeto paralelo chamado clássicos do rock. Em quase duas horas de show, a banda mesclou músicas novas com antigos sucesso agradando ao público presente.
Antes da apresentação, os Detonautas participaram de uma tarde de autógrafos no Rio Tapajós Shopping e atenderam a imprensa. Durante a coletiva,  eles falaram sobre a exploração e devastação da Amazônia, sobre a atuação do rock no cenário atual comparado a atuação do estilo nos anos 80. Comentaram sobre corrupção e a ascensão das classes mais podres e de como isso influência no contexto musical brasileiro. Acompanhe abaixo a entrevista:

Repórter: Como vocês vê a questão da Amazônia nesse atual cenário político pelo qual o Brasil passa de crise. O que vocês sabem da Amazônia no eixo Sul e Sudeste?
Tico Santa Cruz: Boa noite! O que a gente percebe, na verdade, vivenciado de longe, é que a Amazônia vem passando por um processo bem complicado. As metas que foram traçadas para combater o desmatamento e a exploração na Amazônia ainda não foram batidas. Existe um interesse muito grande de outros países, como os EUA, por exemplo, que sabem das riquezas que existem por aqui, na tentativa de alguma forma, se inserir economicamente pra poder pegar esse território. Lá fora eles já ensinam que a Amazônia nem é parte do Brasil, que é um território Internacional. Já estivemos em alguns lugares da Amazônia que não se podia passar porque era território onde tinham japonese, americanos, alemães... Então é complicado! Temos que procurar defender nosso país. É a nossa maior riqueza, talvez a maior que a gente tem no Brasil, não só pela biodiversidade, mas de modo geral. Eu  acredito que é preciso que o governo tenha muito cuidado com a Amazônia e crie mecanismos para defender o país. Defender o crescimento desse desmatamento, dessa devastação... A gente passa de avião e vê áreas enormes, espaços já devastados que são preocupantes. Acho que temos que ter uma empresa estatal. Nossa. Brasileira. Que cuide da Amazônia, que possa  estudar a Amazônia e desenvolver mecanismos para atender os nossos interesses e, assim,  os nossos interesses serão os interesses dos estrangeiros.
Encaramos com cuidado e cautela o que está  acontecendo e ocorre aqui. A gente vê movimentos como o Greenpeace e outras entidades que buscam a preservação do nosso território. E é preocupante, esse crescimento do desmatamento e da exploração da nossa floresta. 

R: Não é a primeira vez que vocês tocam aqui, já estiveram no Çairé junto com Raimundos. Quero saber o que vocês acharam da cidade e como avaliam a questão do rock, não só em Santarém, mas no Norte do país. Conhecem bandas de rock paraense?
Renato Rocha: Fizemos um show com Raimundos aqui em Santarém, em Belém, e a receptividade foi muito bacana. A galera curti rock. Por mais que as pessoas não vejam o rock na mídia, em horário nobre, mas o público de rock cresce, é uma coisa que acaba passando. O primo mais velho mostra para o outro,  o pai mostra para o filho e a coisa vai andando pra frente.
Infelizmente não temos muito tempo pra ficar nas cidades, pra conhecer a fundo, por exemplo, daqui a pouco a gente vai comer um peixe ai, claro, né? (risos) Então tem coisas que a gente não consegue aproveitar, mas sempre fazemos questão de manter contato com a galera.  No Norte, conhecemos a banda Versalhes, que foi destaque, uma banda bacana. A gente sabe que tem outras bandas, não só no Norte, mas no Brasil inteiro tem bandas bacanas.
Quem gosta de rock tem que procurar. A Internet é a maior plataforma pra você descobrir bandas novas que estão fazendo música em português, cantando música autoral. 
Antigamente, há vinte, trinta anos, quando você falava que tinha uma banda era só um músico, hoje não, você tem que falar que tem uma banda autoral. Banda é banda, tem que fazer o seu material. Se tem algum músico aqui que tem banda ou pretensão [de ter uma] eu acho que o caminho é mais difícil, mas você está fazendo aquilo que acredita, do seu jeito e com a sua criatividade. 
O rock sempre vai ter um público específico, a gente sempre vai encontrar essa galera nos shows. Os shows das turnês estão sempre lotados. Tem público! Quem acha que rock não existe está por fora, está vivendo só o que é determinado pela mídia e acaba a deixando de conhecer a diversidade cultural que o Brasil apresenta.

R:Como a banda avalia a atuação do rock no cenário atual, levando em consideração a atuação nos anos 70, 80?
Renato Rocha: Eu acredito que umas das grandes dificuldades do Brasil é a questão da monocultura. Quando um estilo está mais em evidência, parece que só aquele estilo existe, e isso é negativo. O rock já foi a monocultura dos anos 80; o rock Brasil com  aquela geração de bandas, que a gente  cresceu  ouvindo, lá do Rio de Janeiro, no Circo Voador, como o Barão Vermelho. Acho que a grande barreira é essa!
Um país com tantas manifestações culturais e regionais que a gente tem, que poderiam conviver simultaneamente, e não esbarraria nesse problema da monocultura. Eu acho que essa é a maior dificuldade em relação aos anos 80. Nos anos 80 o rock era a bola da vez, as bandas dos anos 70 prepararam o terreno e vieram as bandas dos anos 80 como, blitz, Legião... e explodiram.
Hoje está na onda do sertanejo. Onde você vai, toca sertanejo. Então! só tem isso?  Não!  Tem milhares de bandas ai.

Repórter: Com esse boom do sertanejo, do funk, como a banda tenta manter sua visibilidade?  Procura inovar, fazer alguma coisa?

Renato Rocha: Se você for navegar conforme a corrente e querer agradar todo mundo, vai acabar não agradando ninguém. O público do rock é um público crítico. A galera não gosta de qualquer coisa, não é só porque apareceu e está tocando na mídia que eles vão ouvir. A pessoa quer ouvir a letra, saber o que está sendo dito, se identificar com aquilo, criticar ou não,  'deixar a música bater'. A música bate na gente de diversas formas diferentes. E o público do rock acaba correndo atrás das novidades, quer saber sobre as bandas novas. 
Se existem bandas de rock aqui, participa, vai ao show, vai ver o que a banda faz ao vivo, porque é ao vivo que a mágica acontece. Ouvir o disco é legal,  mas as grande bandas, ao vivo, é que potencializam no som, na música, na performance. Se a galera quer apoiar as bandas de rock,  vão aos shows, vejam o que está acontecendo, se não gostarem, tudo bem! mas dá uma oportunidade pra conhecer bandas novas, autoral. Se tiver um movimento parecido, de banda aqui, uma, duas, não interessa, se tiver show e a galera puder participar, eu acho que isso fortalece o rock e daqui a pouco vem ai um novo ciclo,  e de repente o rock volta a entrar em trilha de novela...
Banda de rock é que nem barata, em cada esquina vai ter uma. E o  rock é igual ao Jason, morre, mas depois volta.

Tico Santa Cruz: Quero contextualizar, uma questão pra quem é mais jovem. A manifestação brasileira de rock sempre está ligada a uma cena político-social. Nos anos 80, tínhamos acabado de sair de uma ditadura, e o rock nacional falava o que os jovens queriam dizer, através do Legião, do Ira e de várias outras bandas. Era a formas de se manifestar que na época a gente tinha. E agora, de 2000 pra frente vimos uma ascensão das classes mais pobres, o que é produtivo para o país, e nessa ascensão, os estilos, que também estavam vinculados aos estilos dessas pessoas mais humildades começou a prevalecer porque o mercado começou a consumir mais isso. Então, é importante ressaltar, que apesar da gente, talvez,  não compactuar do mesmo gosto, existe um motivo e é legítimo, também, que esses estilos estejam em evidência nesse momento porque são pessoas que estão consumido esse tipo de material. 
Talvez as pessoas se identifiquem com os funk ostentação porque nos anos 80 uma pessoa pobre não tinha nada pra ostentar, hoje, talvez, ela tenha condições de ostentar alguma coisa, ainda que a ostentação seja uma coisa pejorativa, no sentido de que, quem ostenta alguma coisa sempre tem uma insegurança, por isso está ostentando. Mas é preciso lembrar que antigamente a pessoa não tinha nada, um relógio, um carro, os bens matérias que hoje ostenta. A gente  espera que mude isso, que as pessoas não tenham só dinheiro, mas passem a ter conhecimento também pra poder ostentar mais do que só coisas materiais.
É bom você sempre situar o porque de cada manifestação artística está em evidência pra não ficar uma coisa meio vaga. Pra não acharem que é simplesmente por uma questão de modismo. Sempre tem um contexto político-social por trás de todas as coisas que acontecem  nas nossas vidas e esse é o contexto que a gente vê hoje. Pode ser, que no futuro, o rock volte a ter voz novamente, porque o rock, o hip hop e o reggae são os únicos estilos que contestam, que tendem a criar um senso crítico, enquanto esses outros estilos como funk, sertanejo e axé são estilos puramente voltados para o entretenimento. Para entreter, eles funcionam bem, mas quando tem que questionar e falar o que as pessoas querem ouvir, eles não funcionam tão bem assim, e talvez num desses momento o rock volte a ser o viés principal de diálogo entre a sociedade e a Cultura.

R: Tico, a gente sabe que você é um artista muito politizado. Você falou bem que as bandas dos anos 80 tocaram muito na questão social, política... A banda, como Legião Urbana fez muita música de protesto e hoje a gente vê que as bandas de rock não têm tanta essa vocação pra fazer música de protesto. O Renato Russo disse uma vez que o Brasil é o país do futuro. Diante dessa crise que a gente está vivendo, você acredita que o Brasil continua sendo esse país do futuro?

Tico Santa Cruz: Eu acho que a maior crise que a gente está vivendo hoje em dia é a crise moral, não só por parte dos nossos governantes, mas por parte da população também, que nunca assumi a responsabilidade das coisas que acontece no país, sempre procura colocar a culpa em alguém e não sabe exatamente qual é  o seu papel dentro da sociedade pra poder modificar o que está reclamando. É confortável para qualquer um sempre culpar, apontar o dedo e dizer que a culpa é de alguém. Então nesse sentido é que a gente fala que o Brasil é o país do futuro porque as pessoas nunca se colocam pra resolver um problema ou para tentar ajudar a resolver o problema no momento, nesse momento presente, e o futuro é uma coisa que não existe. A cada segundo a gente vive o futuro é ele já passou. As coisas vão se modificando.
Eu acho que as bandas de rock, de hoje, que fazem música de protesto, não estão conseguindo espaço. A gente conseguiu um espaço com uma música de protesto depois de muitos anos tentando e fazendo música de protesto, e foi uma música que chegou a fazer sucesso por um certo tempo. Mas você a de concordar comigo que não há espaço pra esse tipo de música no Brasil e não há interesse da população. Então é muito mais difícil. É diferente daquela época. O Renato Russo escreveu Que País é esse em 78, é até hoje toca. Se você for pegar a história do Brasil, em relação a música, vai vê que ela está sempre conectada.
Os meios de comunicação de massa preferem distrair as pessoas para vida particular dos artistas, para o dia-a-dia de cada um dentro da televisão, mostrando a vida das celebridades, do que oferecer conteúdo para que eles possam desenvolver o senso crítico, até porque, se eles desenvolvem o senso crítico, o público vai começar a questionar a própria mídia que muitas vezes está fazendo um papel que a gente não sabe exatamente qual é. Na medida em que o entretenimento supera o senso crítico, as pessoas ficam anestesiadas. Esse é o grande prejuízo que a gente tem no Brasil. Um país que não é só despolitizado, é um país que não existe incentivo para que as pessoas desenvolvam mais o senso crítico. Elas pegam sempre o que é superficial, o mais fácil de comprar; discursos mais fáceis, assumem esses discursos sem entender o real sentido do que estão falando. Isso a gente vê em tempos de crise e tempo fora de crise, também.
Sempre tem alguém querendo levar vantagem sobre o outro, fura uma fila, compra uma carteira de motorista falsa, compra o guarda ou faz uma carteira de estudante pra poder pagar meia, e ai depois ficam falando da corrupção. É muito complicado você falar de corrupção se você também está sendo corrupto. Na medida que a gente corrompe a verdade com mensagens mentirosas na internet, facebook, e espalha um monte de mentira por ai, a gente também está sendo corrupto. Se não mudar aqui, não vamos mudar nunca lá em cima, porque a mudança começa  aqui e não lá.

R:  Eu sempre acompanho você nas redes sociais. Semana passada você publicou um texto falando sobre a má informação e  recebeu muitas criticas. Como você lhe dar  com essas críticas ?
Tico Santa Cruz: Quando a gente expõe a nossa opinião também deve está sujeito a ouvir opinião contrária. Vivemos numa democracia. Na minha página do facebook existem muitos ataques a minha pessoa e raramente eu bloqueio ou censuro alguém, só se o 'cara' passar muito do limite, no sentido de ofensas, ameaças, ai eu tiro. Mas quando a pessoa entra lá pra contra argumentar  a ideia, eu acho que é saudável porque até me ajuda a enxergar coisas que eu não esteja percebendo. Agora quando é puro e simplesmente pelo ataque, pela ofensa, pelo descontentamento de não conseguir construir um argumento e ai tentar desconstruir a minha imagem ou me difamar inventando mentiras sobre mim, acho que é perda de tempo. Eu não entro na página de ninguém pra ficar ofendendo, eu procuro criar  um argumento que possa gerar um debate, uma reflexão pra quem está ali naquela página.
Quando eu escrevo alguma coisa eu não estou impondo uma verdade absoluta. Estou colocando a minha visão dos fatos. Ela pode ser questionada, contestada e de preferência por palavras, frase e conteúdos que possam até a me ajudar a refletir sobre o que eu falei.
A minha página no facebook se movimenta muito, tem muitas visualizações, muitos argumentos a favor e contra mim. É a maneira que eu tenho de exercer e usufruir da liberdade de expressão e da democracia. Se eu não estiver preparado para expor a minha opinião e ter o contra ataque, a contra resposta, é melhor eu não expor nada, ficar calado e não escrever nada. Fica na minha casa, vivendo o meu mundo particular ali. Então, eu acho que é saudável desde que exista o argumento. 

Atendendo fãs
Com a blogueira :)
No Rio Tapajós Shopping



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